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sábado, 31 de dezembro de 2016

Por, Pe. Claudemar Silva

Não demonizar 2016: FELIZ 2017!
2016 foi, indubitavelmente, um ano difícil. Mas não foi o pior dos anos nem será o pior de nossas vidas. Pode não ter sido um dos melhores, mas outros anos virão e, com eles, o desafio perene de acertar, mudar, transformar, reinventar e superar. Resiliência, quem sabe, será a palavra da vez. Em todos os sentidos e âmbitos da vida, será imperiosa essa capacidade de sobressair às vicissitudes da vida.
Em nível mundial, ainda temos o horror da guerra na Síria e o terrorismo assolando, sobretudo, a Europa, mas com desdobramentos em todo o mundo. O número de pessoas vitimadas pela violência deliberada, perpetrada pelo fanatismo religioso e pelo neofascismo, cobriu de cinzas a história recente. Paris, Berlim, Bruxelas, Orlando, Afeganistão, Paquistão, Iraque e outros já são nossos “velhos conhecidos”. O autoproclamado “estado islâmico” impõe ao mundo a face mais cruel e nefasta de um desvirtuamento do ser humano: a ignominiosa ação contra um outro semelhante em razão de uma “pretensa fé” e de “valores” profundamente corroídos pela cegueira racional e pela bestialidade humana. Sem o mínimo de bom-senso e de saudabilidade psíquica, o ser humano é o mais desprezível dos animais. O mais digno de piedade.
Em nosso país, convivemos – como em muitos outros países, infelizmente – com o horror da crise econômica que solapa as riquezas e “obriga” o recuo dos investimentos principalmente nas áreas sociais. O índice de desemprego atingiu a marca de 12 milhões de desempregados. E os prognósticos são de que esse número aumente consideravelmente no próximo ano. Já nesse ano houve um aumentou exponencial, se levarmos em conta a quantidade de micros e empresas de médio porte que fecharam suas portas e aquelas outras tantas que declararam falência, aumentando, assim, o contingente de desempregados Brasil afora.
Na política, vivemos tempos sombrios. Ainda amargamos o dissabor de uma política mal conduzida e sob a penumbra acinzentada da corrupção que insiste em não se dissipar. O maior caso de corrupção pública de que se tem notícia na história mundial ocorreu aqui. Como um polvo, seus tentáculos alcançaram [todos?] os partidos políticos e um número considerável de empregas e governos. Ouvimos falar de bilhões, e as cifras são certamente muito maiores. O desvio de recursos públicos foram parar em paraísos fiscais, e famílias de políticos se beneficiaram desavergonhadamente de montantes que deveriam ter sido investidos na saúde e na educação [só para citar as áreas básicas], mas que foram embolsados sem nenhum peso na consciência. Milhões, em espécie, foram deixados em lojas de luxo para alimentar o ego inflado e a loucura insana de políticos vaidosos e de suas “pouco dignas” primeiras-damas.
O cenário tornou-se ainda mais nefasto pelo digladio indecifrável de homens voluntariosos que se esgueiraram por entre os labirintos da história e tramaram o “homicídio político de uns”, entre eles o impeachment da primeira mulher eleita democraticamente no Brasil, enquanto outros, reconhecidamente criminosos, continuaram nos seus cargos ou voltaram a eles pela força do poder e do status que detêm. Eles, no entanto, com suas manobras históricas, seus “jeitinhos” insuspeitos e seus “pitis” infantis [garotins], deram um jeito de permanecer em seus postos de governo, de poder e de benefícios espúrios. A promiscuidade entre os poderes da república, por sua vez, nunca foi tão sentida como agora.
O poder, aliás, foi o grande protagonista desse ano. Em seu nome e por amor a ele – idolatria -, autoridades antes conceituadas e tidas como credíveis pela população em geral, tornaram-se atores de insurreições homéricas. Juízes, senadores e até presidenciáveis, deram as suas contribuições para tornar o “circo” ainda mais apreciável. Nesse festim de poucos, não faltaram pães nem palco; sobraram lágrimas, desalento e frustração. Vimos, aliás, estarrecidos, a carta magna da nação ser vilipendiada, insultada e tornada lixo. O cidadão comum menosprezado e ridicularizado. Antes, riam de nós às escondidas. Agora tripudiam de nossa “honra” e de nossos direitos em praça público, sob os holofotes das grandes câmeras. E por falar em “câmeras”, o quarto poder nunca antes na história desse país se mostrou tão político e tendencioso. A famigerada “imparcialidade” mostrou sua cara falaciosa.
E os nossos direitos? Há muito que não regredíamos tanto. Fomos insultados, mas tudo ficou por isso mesmo. A saúde, já tão enferma, e a educação, já tão solapada, foram retiradas de cena. Por 20 anos receberão a atenção mínima por parte de nossos governantes. Não haverá recursos maiores, senão o que lhes são dados atualmente corrigidos pelo índice inflacionário. A próxima geração será treinada para a guerra: recebendo o mínimo, será formada na técnica, enquanto outros, mais bem nascidos, receberão a chefia, a indagação e o porquê das coisas. Ditarão suas leis e suas normas, enquanto à grande maioria caberá o dever de cumpri-las todas, sem pestanejar. A uns, o pensamento, a razão e os argumentos plausíveis. A outros, o trabalho braçal, o labor. A uns, a casa grande. À grande maioria, a senzala.
E por falar em escravidão, não serão somente “douze années d’esclavage“. Será uma vida inteira. A previdência será alterada para que homens e mulheres recebam só no fim da vida o que lhes é de direito. Depois de anos de trabalho, o cidadão comum será obrigado a se aposentar quando não tiver mais forças nem perspectiva de vida. Diferentemente daqueles que fizeram essas leis, que foram aposentados depois de pífias contribuições à nação e com salários na estratosfera. Em suas contas, a reforma não chegou e talvez não chegue nunca. As grandes fortunas, as heranças e os privilégios de políticos e altos comissários do poder público não sofrerão qualquer reforma. Ao contrário. Manterão seus altos salários e suas aposentadorias em tempo hábil de poderem usufruir delas com dignidade e saúde. A uns o céu, ainda em vida. A outros, sequer o purgatório. Todos aqueles que votaram a favor dessa reforma já estão com suas aposentadorias garantidas, inclusive o senhor que ora “rege” essa orquestra sinistra.
Todos esses retrocessos mancham a história recente do Brasil e o coloca num patamar sombrio. Não somos mais o país dos sonhos. Tornamo-nos o país do pesadelo e da violência descarada, impiedosa e sem controle. E essa violência chegou a todos. Bateu à nossa porta e se abateu sobre nós e nossas famílias. Não há mais lugar seguro em nossas grandes cidades, e tampouco no campo. O índice é alarmante. Segundo estatísticas divulgadas por entidades não governamentais, a cada nove (9) minutos uma pessoa é assassinada no Brasil.
Resultados do Atlas da Violência 2016 mostram que o Brasil tem o maior número absoluto de homicídios no mundo. Uma em cada dez vítimas de violência letal reside no Brasil. Homens, jovens, negros e com baixa escolaridade são a maioria das vítimas. Na análise por cidades, a taxa de homicídios tem diminuído nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, e aumentado no interior. Por causa da má administração, somada à corrupção, Estados como o Rio de Janeiro estão quebrados e incapazes de investir em segurança pública. Em muitos lugares do Brasil a guerra civil é uma realidade.
2016 foi um ano que provocou em nós todo tipo de sentimento. Fomos da emoção das olimpíadas, em que saímos majoritariamente vencedores, às lágrimas das grandes tragédias como a queda do avião com os jogadores da Chapecoense, passando pelo assombro da eleição de um populista bilionário nos EUA com propostas sectárias, xenófobas e bélicas. A sensação que temos é de que o mundo caminha para trás, e a passos largos.
O Brasil, por sua vez, se viu mergulhado na dor e no infortúnio, na revolta e na apatia social. As ruas das grandes cidades, antes abarrotadas de reivindicadores, agora estão praticamente vazias. Reivindicavam o quê? Foram ouvidos? Cansaram? Estão satisfeitos com suas petições? Quem as patrocinou? Os “panelaços”, no entanto, silenciaram. Os gritos foram abafados e, no fim, não saiu vitorioso nem “petralha” nem “coxinha”. Perderam todos. Os “salvadores da pátria” se mostraram pouco confiáveis. As suspeitas sobre todos acenderam a luz amarela para todo e qualquer homem público. Ninguém esteve ou está a salvo: líderes religiosos, políticos, juízes, governantes, ex-mandatários, assessores, empresários, nem as gentes do povo. As pequenas corrupções denunciam nossos parcos valores, também em crise sistêmica.
E para tornar ainda mais lúgubre esse cenário, tivemos ao longo do ano perdas consideráveis. A morte de representantes do mundo das artes e da cultura tornou mais enfastioso esse nosso cenário. A morte foi implacável e chegou sem nenhum aviso prévio. Deixou-nos perplexos. Poetas e artistas renomados partiram precocemente: Ferreira Gullar, Hector Babenco, Gene Wilder, Guilherme Karan, Umberto Magnani, Eco, Vander Lee, Cauby Peixoto, Domingos Montagner, Elke Maravilha, Flávio Gikovate, Prince, entre outros.
Autoridades com a envergadura de Dom Paulo Evaristo Arns serão insubstituíveis. A dívida histórica para com eles é impagável. O Brasil e o mundo choraram suas partidas para o mundo dos mortos. Particularmente, todo e qualquer cidadão deve ter muito a lamentar: uma dor atravessada no peito, uma frustração profissional, um desentendimento pessoal, uma dúvida de fé, um luto somado a um escândalo pela perda brutal de um ente-querido, uma lamento e uma revolta justificável.
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Porém, nenhum desses dados deve nos arrancar a esperança do peito e a teimosia em querer acertar. É preciso aquela coragem genuína dos grandes que, mesmo em meio ao mais terrível dos cenários, sabe que o novo é sempre melhor do que o que passou. É de ineditismo que se faz a vida. É na teimosia sincera em avançar, em acertar, que o ser humano prossegue e caminha, mesmo que a passos trôpegos e vacilantes. Maior é a fé que nos estimula: avante. Afinal, o fim ainda não chegou. “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo” (José Saramago).
E como nos recorda um mineiro das antigas: “a coisa não está tanto na chegada ou na partida, mas na travessia” (G. Rosa). É de arte que se faz a vida. E viverá tanto melhor quem souber fazer um novo acorde, um outro soneto, pinçar outra tela, um novo ensaio e se colocar, enfim, sobre os palcos. “É de cedo que se torce o pepino”. O novo ano está por começar. Serão infinitas as possibilidades. Poderemos ser o que almejarmos ser, se não entregarmos os pontos e se não formos tão omissos, negligentes ou indiferentes a tudo e a todos.
Ousemos, portanto, fazer bem a nossa parte, ainda que ela seja uma mísera gotinha no oceano. Porém, sem ela, “o oceano seria menos oceano. Seria menos rico e mais pobre” (Madre Teresa de Calcutá).
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